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O imposto sobre heranças nos Estados Unidos é frequentemente um tema de comparação internacional, especialmente quando se fala da disparidade das alíquotas em relação ao Brasil. Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o imposto sobre heranças nos Estados Unidos seria de 40%, o que incentivaria, em tese, maiores doações de patrimônio para instituições de ensino e pesquisa naquele país. Comparativamente, no Brasil, onde a alíquota máxima atual gira em torno de 8%, o presidente argumenta que tal incentivo não existe, pois a tributação sobre heranças e doações é muito inferior, não estimulando a filantropia.
Entretanto, ao analisar a questão mais profundamente, percebe-se que a alíquota efetiva de 40% nos Estados Unidos não se aplica a todos os casos. Isso se deve à legislação federal de imposto sobre o espólio, que prevê uma isenção significativa para patrimônios de até US$ 13,61 milhões — um valor que, na cotação atual, ultrapassa os R$ 76 milhões no Brasil. Na prática, essa isenção faz com que somente indivíduos com patrimônio muito elevado acabem sujeitos às alíquotas máximas do imposto sobre herança. Dessa forma, embora a alíquota federal possa atingir 40%, ela se aplica exclusivamente à parcela do espólio que ultrapassa o limite de isenção, o que acaba excluindo uma vasta quantidade de contribuintes.
A variação das alíquotas no sistema federal dos Estados Unidos é outro ponto importante. Diferentemente do Brasil, onde as alíquotas são definidas de forma fixa pelos estados, o imposto federal sobre espólio americano possui uma faixa de tributação que começa em 18% e pode escalar até os 40%, dependendo do valor total do espólio acima da isenção. Esse sistema progressivo reflete a filosofia de taxação americana, que busca tributar mais pesadamente os patrimônios de maior valor, enquanto oferece uma isenção elevada para evitar a incidência sobre patrimônios menores.
Além do imposto federal, há também a presença de impostos estaduais sobre espólios em alguns estados americanos. Esses impostos estaduais sobre o espólio, conhecidos como “Estate tax,” e os impostos sobre herança, denominados “Inheritance tax,” possuem alíquotas e isenções que variam de acordo com as leis de cada estado. Nos Estados Unidos, o imposto sobre espólio é cobrado antes da distribuição dos bens aos herdeiros, incidindo sobre o valor total do espólio; já o imposto sobre herança é aplicado diretamente ao herdeiro, sendo calculado com base no valor individual recebido por cada beneficiário. Essa diferença de incidência entre os dois tipos de impostos demonstra a complexidade do sistema americano, onde a responsabilidade pelo pagamento pode variar conforme o estado em que o falecido residia e conforme o tipo de imposto em questão.
O estudo do The American College of Trust and Estate Counsel aponta que, entre os 50 estados dos Estados Unidos, apenas 10 aplicam impostos sobre espólios, enquanto cinco possuem um imposto específico sobre herança. Esse levantamento indica que a maioria dos estados americanos não implementa tributos estaduais adicionais sobre herança, o que pode estar relacionado ao fato de que o sistema tributário dos Estados Unidos, em geral, já possui um imposto de renda progressivo que contribui significativamente para a arrecadação pública. Maryland, em particular, é o único estado americano a aplicar tanto o imposto sobre espólio quanto o imposto sobre herança, exemplificando uma exceção no panorama tributário americano.
Nos casos em que o imposto sobre herança é aplicado, a isenção e a alíquota dependem do tipo de relacionamento entre o falecido e o herdeiro. Por exemplo, cônjuges são normalmente isentos de qualquer imposto sobre herança, independentemente do valor transmitido, o que protege o patrimônio familiar da incidência tributária. Da mesma forma, doações e transferências de bens para instituições de caridade também são frequentemente isentas, refletindo o incentivo governamental para a filantropia e a preservação de instituições sem fins lucrativos.
Ao abordar a questão da taxa de 40%, é relevante considerar que essa alíquota elevada aplica-se, na realidade, a uma minoria de heranças nos Estados Unidos. A maioria dos espólios, devido à isenção federal, não atinge valores que demandariam essa tributação máxima. Dessa forma, generalizar a aplicação de uma alíquota de 40% para todas as heranças americanas pode distorcer a realidade do sistema. De fato, o especialista consultado aponta que essa alíquota máxima incide apenas em situações específicas, e que poucos estados americanos, além da União, possuem tributos próprios sobre herança ou espólio, pois o sistema fiscal do país já é sustentado significativamente pelo imposto de renda.
Além disso, observa-se que o sistema de financiamento público nos Estados Unidos prioriza a tributação de renda e a valorização de patrimônio durante a vida dos contribuintes. Esse aspecto contribui para o raciocínio de que as heranças acabam sendo tributadas de forma mais seletiva, principalmente para evitar a dupla tributação e preservar a acumulação de riqueza entre as gerações. A filosofia que sustenta o sistema tributário americano busca, assim, um equilíbrio entre a arrecadação e a preservação da estrutura econômica e social, limitando a carga tributária para as famílias de menor e médio porte patrimonial.
A crítica do presidente Lula sobre a falta de incentivo para doações no Brasil levanta uma discussão relevante sobre o papel dos impostos na promoção de atividades filantrópicas. De fato, nos Estados Unidos, os impostos sobre grandes fortunas e heranças, assim como a possibilidade de deduções fiscais para doações, incentivam a prática de transferências de bens para fundações e instituições de ensino e pesquisa. Esse incentivo é uma resposta ao alto nível de impostos aplicados sobre a renda e o patrimônio acumulado, o que torna as doações uma alternativa atraente para a destinação de parte dos bens. Contudo, mesmo nos Estados Unidos, a decisão de doar depende de múltiplos fatores, incluindo o planejamento sucessório, a visão pessoal de responsabilidade social e os benefícios fiscais disponíveis.
Comparativamente, no Brasil, as alíquotas de imposto sobre herança, que variam entre 4% e 8%, estão entre as mais baixas do mundo, o que pode limitar o incentivo para que grandes doações sejam feitas a instituições públicas ou privadas. A falta de uma tributação mais progressiva sobre heranças e a ausência de incentivos significativos para doações de bens a entidades de caridade refletem uma abordagem diferente em relação ao patrimônio e à sucessão. Essa diferença de postura fiscal levanta debates sobre a possibilidade de o Brasil adotar uma tributação mais semelhante ao modelo americano, aumentando as alíquotas e criando incentivos específicos para fomentar a filantropia.
Entretanto, é preciso considerar que a introdução de uma taxação mais elevada sobre heranças no Brasil exigiria ajustes na legislação e no entendimento sobre a sucessão patrimonial, além de um consenso sobre os benefícios de tal medida para a sociedade.